sábado, outubro 15, 2011

Movimento Diretriz Evangélica

Qualquer livro escrito sobre a história da ação social e a luta dos evangélicos no Brasil por justiça, não pode deixar de retratar a contribuição da Diretriz Evangélica, movimento liderado basicamente por batistas, mas com amplas relações com outros grupos evangélicos e a sociedade brasileira. O movimento já era atuante no final dos anos 1940, antes de entidades e movimentos reconhecidos como o Setor de Responsabilidade Social da Confederação Evangélica do Brasil, a Fraternidade Teológica Latino-americana, o Pacto de Lausanne, as teologias da Missão Integral da Igreja e da Libertação darem suas contribuições sociais. Organizado a partir do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, o movimento teve entre os seus pioneiros David Malta Nascimento, Lauro Bretones e Himain Lacerda, que lançaram em janeiro de 1949 o primeiro número do jornal Diretriz Evangélica. Entre os interessantes pontos do decálogo que identificava e orientava as ações do grupo, podem ser destacados: 1. Cremos no Evangelho de Cristo, o programa do reino de Deus, como única solução para os problemas individuais e coletivos; 2. Cremos na dignidade da pessoa humana, por isso que dentro dos postulados do cristianismo condenamos todo e qualquer sistema político-social e religioso que a negue; 3. Cremos que o cristianismo, por ser uma mensagem integral, tem um duplo objetivo: regenerar o indivíduo, salvando-lhe a alma, e santificar as relações sociais do homem. Com base nestes princípios, Diretriz Evangélica manteve várias atividades como publicação de um jornal, programa radiofônico, colunas n’O Jornal Batista e em outros veículos de informação, como a revista paulista Unitas, de direção presbiteriana. Em consonância com as ações e princípios do movimento, as igrejas pastoreadas por seus líderes, e outras, como a de Benilton Carlos Bezerra e a de Hélcio da Silva Lessa, que se associaram ao grupo, estabeleceram atividades de assistência e serviço social, sempre visando as transformações estruturais. No início da década de 60, o movimento publicou Ação Social Cristã, um livro corajoso e pioneiro, de autoria do pastor Hélcio Lessa, cuja capa trazia a foto de uma típica favela carioca. Este livro tornou-se uma referência por, entre outras contribuições, oferecer uma conceituação distinta e fundamental do que seja assistência, serviço e ação social que depois se tornou clássica. Por causa dessa consciência e tomada de posição, os líderes da Diretriz Evangélica sofreram pressões e críticas, tanto do meio batista e evangélico, quanto de setores conservadores da sociedade. Após o Golpe de 64, o movimento começou a arrefecer, por razões de intolerância e perseguição no país. Taxado de comunista — uma acusação temerária para a época — o grupo ainda resistiu e manteve algumas ações, mas principalmente dentro de suas igrejas. No entanto, seus sonhos e contribuições para um evangelho integral se mantiveram e frutificaram. Exemplo disso foi o recente encontro realizado em 16 de junho de 2009, no Seminário Batista do Sul, no Rio de Janeiro — uma mesa de reflexão sobre as ações da Diretriz Evangélica e a celebração de um culto a Deus em que foram também homenageados alguns remanescentes, como o pastor David Malta Nascimento, que completou 90 anos. Na ocasião foram distribuídos um boletim especial com textos do movimento e o livro Ação Social Cristã, doado pela família do pastor Hélcio Lessa, morto em 05 de junho de 2009, com quase 83 anos. Ao relembrar movimentos como este, nossa geração é outra vez desafiada a fazer mais e melhor pela justiça do reino de Deus. Afinal, as diretrizes evangélicas para esta ação são dadas pela própria Palavra de Deus, que exige eficaz cumprimento de todos quantos se identificam como seguidores de Cristo. 

Este texto foi publicado anteriormente na edição 319 (julho-agosto 2009) da revista Ultimato
Clemir Fernandes é formado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul, em Ciências Sociais pela UFF e mestre em Sociologia pela UERJ. É professor de Teologia e Ciências Sociais em faculdades e seminários do Rio de Janeiro. É também pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (ISER), redator da revista de estudos bíblicos Compromisso (Juerp/Convenção Batista Brasileira), integrante da coordenação executiva da Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS) e coordenador da RENAS Rio. É membro da diretoria da Fraternidade Teológica Latino Americana-Brasil e atual coordenador do núcleo do Rio de Janeiro.